O humorista Jô Soares afirmou ontem que irá viver Fernando Pessoa no palco do Villaret, em Lisboa, e não dizer a sua poesia.
Jô Soares falava na Casa Fernando Pessoa num encontro com a imprensa e admiradores, a propósito do espectáculo "Remix em Pessoa" que estará em cena no Teatro Villaret de 29 a 31 de Janeiro e de 03 a 07 de Fevereiro.
O espectáculo, com direcção de Bete Coelho e música de Billy Forghieri, partiu de um CD homónimo, em que o humorista diz poemas de Fernando Pessoa com a música de Forghieri como fundo.
Hoje em Lisboa, Jô Soares advertiu que o espectáculo "é diferente e integra mais poemas. Noventa por cento do espectáculo é de poemas de Álvaro de Campos [heterónimo de Pessoa] por ser mais niilista, o que é uma forma de humor".
"No palco sinto-me vivendo um personagem que podia ser irmão do Álvaro de Campos", adiantou o humorista que referiu que o cenário "é simples, sendo projectadas imagens de Pessoa".
Jô Soares usará "um terno preto e um chapéu, uma indumentária muito próxima da do poeta", escolhida por "mero acaso, sem saber".
O actor não fugiu à questão do Acordo Ortográfico, já ratificado por Portugal e Brasil, e afirmou que prefere "ler português em Portugal e literatura brasileira em brasileiro".
"Não adianta a unificação da língua porque somos ligados por uma língua diferente", disse, justificando: "[nós brasileiros] falamos um português que já foi corrente em Portugal".
"O português que se fala aqui [em Portugal] é mais moderno que o brasileiro que tem raízes seiscentistas".
Voltando a Fernando Pessoa, Jô Soares afirmou que a frase do poeta da "Mensagem" que o marca é "Malhas que o Império tece" do poema "O menino de sua mãe".
"Esta frase é uma análise da história do mundo. Vale na época de Pessoa, da guerra em África, na Indochina, na I Guerra, na II Guerra, e vale hoje", explicou.
"Engloba a história do mundo perfeitamente. Pode-se hoje mandar o soldadinho para Angola ou para o Iraque, só os impérios mudam", acrescentou.
Fernando Pessoa é, segundo Soares, o poeta português mais conhecido no Brasil e sem paralelo com qualquer outro, nomeadamente os contemporâneos, e Sophia de Melo Breyner Andresen "é razoavelmente conhecida e lida".
O facto de se apresentar num teatro construído por iniciativa de Raul Solnado, de quem foi amigo, levou Jô Soares a desfiar na conversa várias recordações com o actor falecido no ano passado, e por quem afirmou ter uma enorme estima e admiração, assim como por outros portugueses.
Jô Soares afirmou que no dia 26 de Abril de 1974 Raul Solnado lhe telefonou e disse: "Jô, agora posso gritar na rua que sou socialista e não vou preso".
Nicolau Breyner que lhe foi apresentado por Solnado em 1979, quando Jô Soares se deslocou pela primeira vez a Portugal para animar um Carnaval no Algarve, foi referenciado pelo humorista como "um irmão vitelino".
Sobre Nicolau afirmou textualmente: "Esse cabrãozinho de merda está tão dentro da minha cabeça que é como um irmão vitelino".
A conversa aberta ao público em geral divergiu para o programa do humorista na TV Globo, transmitido em Portugal por cabo.
Entre as várias curiosidades, Jô Soares satisfez uma: a caneca que usa no programa ora tem água, refrigerante 'light', chá que "detesta", ou "sopinha quente".
Jô Soares realçou ainda que a sua faceta de humorista, apesar de ter exercido jornalismo no jornal Folha de São Paulo e na revista Veja, lhe permite algumas "irreverências" sem que o convidado se sinta desconfortável.
Jô Soares que há quatro anos não vinha Portugal não tem "vontade de ver nada de especial", disse. Reflectindo, corrigiu: "talvez tenha a sorte de ver um troço do Benfica a jogar".
Lusa/Nuno Morna