O texto seguinte escrevi-o para ser lido numas jornadas abertas de um Congresso do PSD realizado há já alguns anos. Como o panorama é básicamente o mesmo penso que o texto continua actual.
Pediu-me o Dr. Miguel Albuquerque que aqui viesse dizer de minha justiça sobre o panorama da actividade teatral na Madeira.
E fazê-lo em dez minutos.
Deixem que vos diga que é obra, mas como nunca viro costas às dificuldades, pensei em dividir a minha pequena alocução em dez pontos que serão aqueles que considero ser a base de trabalho de qualquer projecto que se pretenda levar a cabo, dando a cada um cerca de um minuto.
Porque acredito no madeirense como uma identidade definida, perdoem-me alguns laivos de um certo nacionalismo regional, que, se eu o souber gerir, não faz mal a ninguém.
1. Relações a estabelecer entre o teatro e a sociedade madeirense
Um dos aspectos fundamentais na definição do trabalho de um actor prende-se com o facto de este ser uma pessoa atenta ao que se passa à sua volta ou não. A interacção com o tecido social envolvente é de fundamental importância.
Os agentes teatrais têm que ser pessoas interessadas e informadas, em perfeita interacção com a sociedade.
2. A formação e a qualificação dos actores regionais
Nos últimos anos tem aumentado o interesse pela arte teatral por parte dos nossos jovens. Saúde-se o surgir da formação técnico-profissional na área teatral.
Mas mais tem que ser feito, não só ao nível dos actores, mas também ao nível dos produtores, técnicos, directores de cena, etc.:
a) Oficinas de formação contínua;
b) Workshops temáticos;
c) Estágios de formação fora da região;
d) Formação média e superior em áreas como a da produção e gestão cultural.
3. Profissionalização e exercício da profissão
A existência de uma carteira profissional para os que exercem o teatro como meio de vida é uma das maiores necessidades sentidas por todos nós.
Saibam que há actores profissionais na Madeira, e fiquem também a saber que alguns deles vivem com dificuldades de índole económica e habitacional. É urgente que se rectifiquem estas situações pois ser actor é uma profissão digna e merecedora de grande respeito.
4. As companhias e grupos de teatro
Proliferam pela região dezenas de companhias e grupos de teatro. Urge que se separe o trigo do joio. Os profissionais têm de ser separados dos amadores, sob pena de se meter no mesmo saco realidades diferentes tanto ao nível dos esquemas de produção como ao nível da área de intervenção.
5. Infra-estruturas teatrais
É aqui, quanto a mim, que a porca torce o rabo. O Teatro madeirense precisa de infra-estruturas como de pão para a boca.
Se ao nível do meio rural estas instalações começam a surgir associadas a centros culturais, que esperemos sejam pólos de aglutinação cultural de grande importância, é no Funchal que se sente uma maior necessidade de construção de infra-estruturas.
É que sala para Teatro temos nós, só que tem que servir também para bailado, música, cinema, etc.
Tudo mudaria de figura com a construção de uma sala vocacionada para música e dança, libertando assim o Baltazar Dias para a sua principal vocação: o Teatro.
A criação de um Centro que disponibiliza-se salas amplas para ensaios e formação é de vital importância, de modo a proporcionar espaços de ensaio libertando assim o Teatro Municipal.
6. Públicos
O Teatro não existe sem público. E é para o público que devemos trabalhar, não para o umbigo.
Assim, um dos factores de primordial importância é a atenção que se põe naquilo que o público, ou públicos, pretendem ver. Não pode, sob pena de insucesso, a produção teatral deixar de sentir o pulso ao espectador.
Urge a formação de públicos.
Que me perdoem os que há anos têm levado pela mão o teatro regional mas a tempos, este é um factor que considero importantíssimo e que é por vezes esquecido.
7. Autores e edição
É muito pouca a criação literária teatral ao nível regional. Têm que ser estabelecidos protocolos com entidades que associem escritores de modo a sensibilizá-los para a produção de dramaturgia. A organização de oficinas de escrita de teatro é fundamental neste aspecto.
Isto leva-nos à problemática da edição dos textos que deve acompanhar a sua criação.
Um dos factores que poderá exponenciar o surgimento de textos teatrais pela mão de autores regionais é a criação de um prémio literário dedicado a esta área.
8. Animação teatral
A animação teatral é uma das vertentes que terá que ser sempre considerada, até porque não podemos esquecer a importância que pode ter ao nível da animação turística.
Não se ficando por aí, dado que a vertente de animação de rua é deveras interessante e denotadora de espaços citadinos culturalmente apetecíveis e vivos.
Devem os espaços urbanos da região contemplar espaços propiciadores de animação teatral e não só, não se ficando unicamente pelas infra-estruturas mas também pela facilidade do licenciamento deste tipo de actividade.
9. Teatro infantil e juvenil
Gostaria desde já de deixar bem claro que a Madeira tem, ao nível do Teatro infantil, do melhor que se faz em Portugal.
No Teatro juvenil começamos a dar os primeiros passos que seguramente nos levarão, se as condições criadas o propiciarem, a bom porto.
Falhas existem na transposição dos públicos entre estas tipologias teatrais. É urgente que deixemos de trabalhar de forma compartimentada. A transposição dos públicos tem de ser feita de um modo pensado e activo, levando à definição de políticas teatrais concretas e de efeito prolongado.
10. Teatro escolar
É para mim uma das vertentes mais interessantes do Teatro madeirense. Pena é que se esgote em si próprio não servindo de sustento aos grupos e companhias ditas de teatro adulto.
Seja lá aquilo que se faça em termos de futuro teremos sempre que estar atentos pois sob os efeitos da massificação da indústria e do consumo, a cultura corre o risco de perder três das suas principais características:
1 - De expressiva, transformar-se em reprodutiva e repetitiva;
2 - De trabalho de criação, desmultiplicar-se em eventos de consumo;
3 - De experimentação do novo, virar-se para a consagração do ditado pela moda e pelo consumismo.
Falar de Teatro é falar de representação, e falar de representação é falar da própria vida, onde todos temos um papel, onde todos somos actores, embora por vezes não nos agrade a encenação.
De grande importância para os actores é o poder mostrar o trabalho desenvolvido. Pode desempenhar aqui a televisão regional um papel importantíssimo desde que assuma a sua responsabilidade na produção de ficção regional.
Pode também a Madeira ter um lugar de grande importância na cinematografia internacional, desde que para tal se dêem passos decisivos no sentido afirmativo desta realidade. O investimento num grande estúdio devidamente equipado, aliado às condições naturais do arquipélago serão factores de exponenciação de uma indústria cultural rentável e de grande importância na divulgação do destino Madeira em termos turísticos. Podemos colher ensinamentos num pequeno país recentemente entrado na União Europeia, Malta, onde foram rodados recentemente filmes como “O Gladiador”, “1492”, etc.
Mas voltemos ao Teatro e deixemo-nos de devaneios porque tudo isto é muito bonito mas não haverá análise que resista há falta de meios técnicos e financeiros.
Enquanto não conseguirmos convencer as empresas da responsabilidade social que têm, teremos sempre que viver à sombra da subsidío-dependência governamental, embora reconheça que algo está a mudar e o tecido empresarial mais bem formado e informado começa a sentir retorno nos apoios que dá à cultura.
Nós, as companhias de teatro que procuramos o profissionalismo, vivemos com enormes dificuldades para montar os nossos espectáculos. É urgente que se largue de vez o provincianismo que constantemente menoriza as nossas capacidades e competências, levando-nos, erroneamente, a achar que o que vem de fora é melhor. É mentira!
Apesar das falhas de formação, do pouco intercâmbio com o exterior, das poucas infra-estruturas, o Teatro madeirense, exclusivamente pelo seu factor humano, tem condições para se tornar numa realidade cultural pujante e de grande qualidade.
VIVA O TEATRO.