
De traços simples, cabelo negro farto e muito opinativa, Mafalda surgiu pela primeira vez a 29 de Setembro de 1964 nas páginas do semanário argentino Primera Plana. Quino, então com 32 anos, nunca adivinharia o sucesso daquelas tiras humorísticas, que se prolongaram por nove anos.
Joaquin Lavado (Quino) imaginou Mafalda para um anúncio publicitário a uma marca de electrodomésticos, no qual lhe pediram que desenhasse a história de uma família típica da classe média.
A banda desenhada não chegou a ser publicada, mas Quino recuperou a personagem Mafalda quando o convidaram para publicar no Primera Plana, na altura um jornal que procurava fazer uma reflexão crítica da actualidade argentina e internacional.
À primeira vista, Mafalda podia ser uma menina de seis anos, reguila, desafiadora e descarada, mas depressa se percebeu que da sua boca, dos balões que Quino preenchia, saíam comentários mordazes e pertinentes sobre a ordem do mundo, a luta de classes, o capitalismo e o comunismo, mas também, de forma mais subtil, sobre a situação política e social argentina.
Era a Mafalda, a contestatária e insatisfeita, «uma heroína zangada que recusa o mundo tal como ele é», descreveu Umberto Eco em 1969, num prefácio a um dos álbuns que Quino dedicou à personagem.
A par da atitude de adulto mas com o desarmante discurso de uma criança, Mafalda tinha essa mesma condição de menina, que detestava sopa, adorava os Beatles, não compreendia a guerra no Vietname e tinha monólogos preocupados em frente a um globo terrestre.
Ao longo dos anos, e em diferentes jornais onde colaborou, Quino foi alargando a família de personagens em torno de Mafalda, apresentando Manelito, filho do merceeiro, Filipe, o vizinho, Susanita, Miguelito, Liberdade e, mais tarde, o irmão Gui.
Como não teve filhos, «a coisa mais semelhante a uma criança que Quino encontrou a seu lado era ele mesmo», escreveu o jornalista e escritor argentino Tomás Eloy Martínez.
Apesar do sucesso de Mafalda, Quino continuou a desenhar e a publicar outros desenhos de humor, que têm sido compilados em diversos álbuns, mas foi a contestatária que mais fez espalhar o seu nome e o seu trabalho pelo mundo.
Em Portugal, o primeiro livro de Mafalda foi publicado em 1970. Toda a sua obra está reunida em O mundo de Mafalda, editado em 2000.
Contra a maré de sucesso, Quino decidiu não mais publicar as tiras semanais de Mafalda a 25 de Junho de 1973, ao fim de quase dez anos dedicados a uma absorvente personagem que, admitiu, o deixava extenuado.
Só em ocasiões especiais e raras é que voltou a desenhá-la, como por exemplo em 1977, para uma campanha da UNICEF para os direitos da criança.
Quino tem hoje 77 anos, reparte o seu tempo entre a Argentina e Itália e vê Mafalda, 45 anos depois, a seguir o seu caminho, com edições renovadas e até com a inauguração de uma pequena estátua em Buenos Aires.
Aos 45 anos, Mafalda talvez fosse «tradutora na ONU», como vaticinou em 1968 o argentino Sergio Morero, secretário de redacção do jornal Siete Días que escreveu em nome dela uma carta endereçada a Quino.
Lusa
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