sábado, 26 de setembro de 2009

Teatrando - Calcinhas Amarelas

Escreve Luís Rocha no DN/Madeira de hoje:

A comédia 'As Calcinhas Amarelas', de José Vilhena, com a participação de Tozé Martinho (da TEZEEME Produções), actualmente em exibição na Madeira, está a levantar alguma celeuma entre agentes culturais da Região. Em causa está o valor do contrato estabelecido entre a Câmara Municipal do Funchal e a TEZEEME Produções: 87.500 euros, conforme o DIÁRIO comprovou no 'site' BASE-Contratos Públicos Online, uma base de dados ligada ao Governo (como verificável no link: http://www.base.gov.pt/_layouts/ccp/AjusteDirecto/Detail.aspx?idAjusteDirecto=68586).

Confrontados com esta situação, o presidente da Câmara do Funchal e o vereador Pedro Calado esclareceram que o valor do contrato estabelecido (e que, segundo nos disseram, engloba todas as despesas) é na realidade de 62.500 euros. Pedro Calado explica a diferença dizendo que, nos 87.500 euros referidos, provavelmente já está incluída uma estimativa da receita de bilheteira durante uma quinzena de dias de exibição.

Miguel Albuquerque acrescentou: "Por mim, podem contestar, está tudo bem. Eles contestam porque queriam provavelmente que comprasse uma peça produzida por eles".

Confrontado com o facto de que há pessoas que gostariam de voltar a ver a CMF trazer, como já trouxe, peças do Teatro D. Maria II, ou seja, teatro de outro nível, Albuquerque defendeu: "temos de oferecer diversidade cultural. O Teatro D. Maria II foi transformado numa repartição pública 'nine to five'. Acho que faz boas peças, mas fá-las em Lisboa... Quando o [Carlos] Avilez esteve lá, teve realmente o bom senso de estabelecer uma política de descentralização cultural que agora não se faz".

Pedro Calado disse ainda que "neste caso do Tozé Martinho, quisemos rentabilizar um espectáculo que já estava a ser produzido a nível nacional, que já tinha sido apresentado. Quisemos trazer uma peça mais barata do que a revista que foi apresentada o ano passado '[Já Chegámos à Madeira'] e no contrato, ficou estabelecido que o valor a pagar seria inferior, mas que, por esse facto, nós cederíamos gratuitamente o Teatro Municipal nos dias que eles cá estavam, salvo erro, de 16 a 30 de Setembro (...) Há outros grupos a que não damos isenção total, mas a CMF comparticipa e ajuda de outra forma esses mesmos grupos".

Nuno Morna, da companhia de teatro COM.TEMA, diz que a sua companhia costumava actuar em Maio no 'Baltazar Dias'. Este ano, "fizemos a mesma coisa que muitas companhias, ou seja, pedir a isenção do pagamento do teatro [percentagem sobre a bilheteira, referente á utilização da sala] que nos foi recusada. Pagámos quase 11.500 euros de aluguer do teatro num período de meados a finais do mês de Maio. Folgo muito em saber que, além de as companhias regionais serem umas filhas de um senhor e outras de outro (porque há algumas que ficaram isentas do pagamento do aluguer), agora a Câmara Municipal gasta milhares de euros para trazer uma companhia de fora que, muito provavelmente, também não paga pelo aluguer do teatro" [circunstância que, de facto, nos foi confirmada pelo vereador Pedro Calado]. Insurgindo-se contra este "tratamento diferenciado" e que considera ter pouco critério, Nuno Morna mudou a COM.TEMA para o Centro das Artes Casa das Mudas, onde a companhia ficará em residência durante algum tempo. "Até hoje não tive nem um tostão de subsídio da CMF - nem quero!", assevera, dizendo "não saber as regras do jogo", mas achando que "deveriam ser iguais para toda a gente". E mais: "Se se dão subsídios a companhias de fora, o mínimo que se deveria fazer aos grupos de cá era a cedência gratuita do Teatro Municipal, como se fazia antigamente. Agora, a mim, choca-me, magoa-me e revolta-me que gastem uma 'pipa de massa' a trazer coisas de fora, que depois nem sequer têm de pagar o aluguer do Teatro, principalmente numa conjuntura em que os agentes culturais da Região enfrentam tantas dificuldades".

O Teatro Experimental do Funchal (TEF) foi uma das companhias isentas do aluguer do Teatro. O conhecido actor Élvio Camacho admite-o, como admite que a CMF, "mesmo indirectamente, tem-nos dado muito apoio". Mas compara: o TEF recebeu, em subsídios do Governo Regional para 2009, cerca de 48 mil euros. Para todo o ano. Comparando esta verba com a que a CMF pagou às 'Calcinhas Amarelas', confessa achar um bocado "violenta" a disparidade financeira, mas dá a entender que não acha o que a CMF pagou excessivo, fazendo a leitura por um outro lado: "Isso só prova o valor que é necessário para efectuar uma simples produção, com poucos actores... o que até dá mais razão à causa do TEF".

Sem fazer juízos de valor sobre a qualidade de 'As Calcinhas Amarelas' ("há público para diversas manifestações de teatro"), considera é que, seja o valor cerca de 80 mil ou 60 mil euros, esse mesmo valor confirma quanto custa fazer teatro. Por isso Élvio Camacho não o considera injusto; diz é que revela que "quem faz teatro na Madeira também merece apoios. Só isso". Por seu turno, Maria José Varela, da 'Contigo Teatro', mostrou-se realmente agastada: "Nós estamos a trabalhar bem no duro, não temos nenhum apoio monetário, neste momento, e acho que [essa situação] é quase um atentado àquilo que nós fazemos - apesar de, por princípio, respeitar o público, que é livre de ver aquilo que quiser. Eu não sabia desse valor tão exorbitante, mas, mesmo que fosse metade... Acho que os responsáveis pela Cultura devem ir ver os trabalhos, inclusive dos madeirenses, para terem a mínima noção do que é fazer teatro. E se realmente preferem ir ao Teatro rir com piadas de 'cuequinha amarela'... Vão! Mas efectivamente, eu parto do princípio de que teatro não é isso. E incomoda-me ver para onde vai o dinheiro da Cultura". Na perspectiva desta responsável, seria bem melhor que se trouxessem cá, como já se fez, peças do Teatro Nacional D. Maria II, para "educar as pessoas", ao invés de comédias como 'As Calcinhas Amarelas'. A 'Contigo Teatro' reconhece, todavia, que tem havido abertura da CMF para negociar com a companhia diversas situações, e informa que actualmente, tem de pagar à CMF 10% da bilheteira. "Consideramos que devemos pagar, mas de acordo com as nossas possibilidades", refere.

Finalmente, Roberto Costa, do 'Teatral - Grupo de Teatro de São Gonçalo', acha que "os grupos da Madeira são discriminados na sua utilização do Teatro Municipal".

Considera "altíssimo" o valor pago a "uma companhia que não é da Madeira, e que não tem sequer um actor madeirense. Sempre pensei que eles cá vinham por sua conta e risco". E desafia a CMF: "Porque não fazem o mesmo com os grupos da Madeira que já têm trabalho feito? É uma surpresa para mim saber que a CMF está a pagar a um grupo do continente para estar aqui na Madeira a apresentar peças de teatro, comédias 'forçadas' que vêm na sequência de outras peças que o Tozé Martinho já apresentou na Madeira. Há no continente muitas outras boas companhias. Com esse valor, podiam-se trazer coisas muito melhores do que aquelas que se estão a trazer neste momento".

Tozé Martinho desinteressado em polémicas

Contactado pelo DIÁRIO, Tozé Martinho recusou-se a mencionar o valor do contrato estabelecido com a CMF, alegando ter todo o direito de abster-se de comentar. "Não me interessa nada entrar em polémicas nem em questões desta natureza". Afirma que este contrato "já foi firmado há muitos meses", e que engloba todas as despesas. Acha mal que seja criticada desta maneira "uma peça que tem, quase todas as noites, esgotado o Teatro". Deseja ao TEF "que se safe muito bem e consiga arranjar bons contratos", tal como aos outros. "Estamos todos no mesmo barco. A mim entristece-me profundamente que esta questão se levante justamente na Madeira, que é uma zona do país que eu adoro", declarou.

Luís Rocha

2 comentários:

Scherzan disse...

Esta reportagem deixou muita associação na região de boca aberta.
Não por espanto ou pasmo mas por fome de ter um contrato da mesma natureza financeira.

Como é possível que estes números sejam verdadeiros, e a serem, como foi possível desprezar desta maneira o que se faz por cá?
Uma das alternativas que já têm sido levadas a cabo, é a migração dos agentes culturais para fixar residência em Lisboa. Está visto que só desta maneira se pode sobreviver a este tipo de políticas que têm tanto de controversas como de incoerentes para com a ladrada que se ouve por aí de que primeiro estão os madeirenses.

Anónimo disse...

Penso que seria útil a Câmara construir um pequeno espaço com condições. tipo teatro experimemntal, onde as peças a que se refere teriam público interessado nesse tipo de teatro. Mas a peça "As calcinhas amarelas" tem a sua validade como comédia e com actores de talento, designdamente a actriz Alina Vaz que muito gostei de rever aqui na Madeira.

Helder Mendes