quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Desabafo - Ainda a Propósito


Tenho-me deliciado a ler "Boca do Inferno" de Ricardo Araújo Pereira que reúne neste livro muitas das suas crónicas publicadas na revista Visão.
A propósito daquilo que escrevi sobre o fascismo português escreveu este "gato fedorento":



Polémica: Pulido Valente responde a Bush

Exmo. Sr.,

Primeiro que tudo, e antes que me esqueça: V. Exa. é um idiota. Foi sem dúvida nessa qualidade que, recentemente, se referiu aos fundamentalistas islâmicos como «fascistas». Numa altura em que, sabe Deus com que paciência, ando ocupado a explicar a alguns compatriotas (na sua maioria, idiotas) que é preciso usar de cautela e rigor quando se fala de fascismo, pode calcular como levo a mal a sua intervenção.

Aqui em Portugal (peça, por favor, à pessoa que lhe está a ler esta carta que lhe explique em que ponto da Europa fica Portugal. Peça depois à mesma pessoa que lhe explique o que é a Europa), tivemos um regime que certos indivíduos (boa parte dos quais idiotas) teimam em definir como fascista. Esta gente desconhece que só podemos chamar fascista a um regime quando se verificam certos parâmetros e que, por isso, só existiu um verdadeiro fascismo em certas regiões de Itália e, mesmo aí, só às segundas, quartas e sextas, e só da parte da tarde.

Veja como a questão é traiçoeira: o salazarismo, mesmo tendo um partido único, uma milícia fascista e uma organização paramilitar da juventude com claras afinidades com a juventude hitleriana (afinidades que o primeiro comissário da Mocidade Portuguesa, Nobre Guedes, sublinhava, aliás, com orgulho), não era fascista; mesmo tendo uma polícia política que prendia, torturava e matava, não era fascista; mesmo tendo um campo de concentração no Tarrafal, não era fascista. Em Portugal, os fascistas têm de se esforçar muito para serem fascistas. Durante o Estado Novo, era costume fazer a saudação romana, mas não havia fascismo. Repare como tudo isto é complexo e bonito. Dava um belo quadro de Magritte: Salazar a fazer a saudação romana, em frente de uma formação de legionários e outra de lusitos, e uma legenda a dizer: «Ceci n'est pas un fasciste». Muitas figuras destacadas do regime nutriam confessada admiração por Mussolini ou por Hitler, mas não eram fascistas. O Estatuto do Trabalho Nacional, uma lei fundamental do regime, era praticamente decalcado da Carta del Lavoro, da Itália de Mussolini, mas o Estado Novo não era fascista. No que toca a fascismo eu sou muito exigente.

E não sou o único. Alguns dos que, hoje, juram a pés juntos que o salazarismo não foi um fascismo já disseram o contrário no passado. O gosto para o fascismo educa-se, e a partir de certa altura a gente deixa de se contentar com pouco.

Peço-lhe, por isso, que reveja a sua definição de fascismo. Os fundamentalistas islâmicos (que, a propósito, são idiotas) não podem ser fascistas. Serão conservadores, autoritários, ultra-islamitas, mas fascistas não são, que eu não deixo.

Atentamente,

Vasco Pulido Valente


E mais palavras para quê?

PS: ainda gostava que me explicassem porque é que muito idiota que defende a inexistência do fascismo português é, normalmente, fanaticamente adepto de Pulido Valente. Não se atrevem a questionar nada do que diz ou faz. E no entanto o homem, a quem sem dúvida admiro a inteligência, é uma das mais patusca figuras da política e da cultura portuguesas!

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