sábado, 2 de agosto de 2008

Musicando - Entrevista de Diana Krall ao Expresso

Entrevista a Diana Krall
Quando o jazz é sexy

No dicionário de Diana Krall, Jazz é sinónimo de liberdade. E ela não se imagina a cantar outra coisa. Para sempre. O Expresso entrevistou-a, em vésperas do seu regresso a Portugal que esta semana se concretiza em dois concertos, em Albufeira e em Oeiras.

Entrevista de Alexandra Carita

Falar em sorte para classificar uma carreira pautada de êxitos. Repete a palavra para explicar como conseguiu juntar à sua volta um conjunto de grandes músicos. Mas chama ao jazz liberdade e movimento. Exactamente aquilo de que precisa para criar e recriar passado, presente e futuro. Elvis Costello, o marido, ajudou-a a crescer, e os dois filhos de ano e meio trouxeram-lhe outro sentido à vida. Ao mesmo tempo que volta à estrada e já pensa num novo disco, Diana Krall reclama sensualidade. Pela imagem de marca que se lhe agarrou à voz, pela forma de cantar e pelo modo de se apresentar. Chamam-lhe diva. Para ver terça-feira na marina de Albufeira, no Algarve, e quarta no Jardim do Marquês de Pombal, em Oeiras.

Nasceu numa família de músicos. De que forma é que isso influenciou a escolha da sua carreira?
Ouvir muita e boa música em casa foi de facto muito importante para mim. Ter acesso, desde criança, aos grandes discos de jazz e ver e ouvir o meu pai tocar os grandes clássicos ao piano foi fantástico. Acho que todo esse ambiente em que cresci não podia ser melhor para me ajudar a escolher a vida que segui e que tenho hoje.

O jazz foi a sua primeira escolha?
Sim, nem hesitei.

Mas, obviamente, ouvia outros tipos de música...
Sim. Adoro Elton John e muita música pop, mas o jazz permitiu-me criar a liberdade que desejava.

Já adolescente, passou a apresentar-se em pequenos espectáculos em bares e clubes. Fazia-o porque sentia necessidade de experimentar o público?
Não especialmente para experimentar o público ou a sua reacção. Fazia-o sobretudo porque tinha uma vontade enorme de cantar jazz.

Queria ganhar calo?
Sim. Precisava de cantar e cantar, precisava de actuar com bons músicos, ganhar experiência.

Que tipo de "feedback" é que teve nessa altura?
Houve muita gente que me encorajou e me deu força para continuar, para seguir em frente, mas muitos dos sítios onde ia cantar não eram lá grande coisa, por isso não foi assim tão importante. E já foi há imenso tempo.

O facto de ter encontrado músicos como Ray Brown e Jimmy Rowles e ter aprendido com eles foi determinante para a sua evolução enquanto intérprete?
Sim. Foi uma oportunidade incrível poder estudar com músicos tão extraordinários e grandes criadores desta forma artística. Foi uma época única para mim e para o meu desenvolvimento enquanto cantora.

Consegue imaginar o que teria sido a sua carreira se não os tivesse encontrado?
Se calhar não teria tido carreira nenhuma. Ter estudado com Ray Brown, Jimmy Rowles, John Clayton e Jeff Hamilton significou tudo o que já disse. Imagine o que é serem eles que agora me acompanham nas digressões mundiais... Foram e continuam a ser os meus grandes professores.

Quem são as suas grandes referências musicais?
São tantas que nem sei se é possível dizê-las todas. Posso citar Miles Davis, John Coltrane, João Gilberto, Ella Fitzgerald, Nat King Cole... Todos.

As referências de que fala são aquelas que mais gosta de gravar nos seus discos. É comum fazer versões de grandes canções dos nomes que refere...
Sim, claro. Gosto sempre de ir buscar as músicas que me marcaram e interpretá-las à minha maneira. E não é só uma forma de lhes prestar homenagem, é também uma forma de me sentir bem e de crescer.

Nesse crescimento, que importância atribui aos músicos que tocam consigo?
Toda. São importantíssimos. São a minha família.

Tem liberdade para os escolher em cada digressão e em cada disco?
Liberdade não diria, mas trabalho o melhor possível para conseguir que eles queiram tocar comigo. Toda a vida quis cantar ao lado de John Clayton e de Jeff Hamilton e agora canto. Comigo, esse sonho tornou-se realidade. Tive muita sorte.

Eles também a ajudam a escolher o alinhamento dos concertos e os temas dos seus álbuns?
Não. Mas inspiram-me todas as noites e a todas as horas. Fazem-me rir, dão-me alegria, ensinam-me, fazem tudo o que podem por mim. E, de facto, eu não seria nada sem eles.

Também foi sorte ter conhecido e trabalhado com Tony Bennett?
Sim. É sempre sorte. Aconteceu ele estar a participar no mesmo festival que eu em 2000, e foi uma felicidade poder conhecê-lo e virmos a trabalhar juntos. O Tony Bennett é uma pessoa extraordinária e um músico de excelência.

Não acha que a qualidade do seu trabalho, o seu esforço ou o seu talento possam ajudar a que estes encontros felizes ocorram com mais facilidade?
Não sei. Acho sempre que é sorte, que é uma vontade ou um desejo muito forte de cantar e fazer música, assim como há sempre a necessidade intensa de ser artista e de trabalhar muito. É o conjunto de todas estas coisas, não o resultado de uma única.

Quando fala em cantar, nota-se que lhe dá muito prazer...
E dá. Quando não canto, sinto-me mal. Emocionalmente faz-me falta, e preciso de viver em equilíbrio. Cantar é muito criativo e também me proporciona uma experiência espiritual vital.

Não concebe a ideia de um dia viver sem música?
Não, de modo nenhum. Mas tenho outros interesses além da música. Gosto de literatura, adoro cozinhar, de fazer desporto. Hoje, por exemplo, passei o dia a fazer jet-ski e agora dói-me o corpo todo, mas faz-me bem. A vida também é isto. Não posso passar o tempo a pensar na minha música, embora não possa viver sem ela. Outra coisa que não desperdiço nunca é um bom vinho, assim como uma boa comida...

Ter sido mãe há um ano e meio mudou muito a sua vida?
Claro que mudou. Ser mãe é a coisa mais importante da minha vida, mas não alterou a minha determinação profissional.

E o seu casamento com Elvis Costello fez com que olhasse para a música de modo diferente?
Não. Mas com ele ganhei um forte apoio. Sei que ele percebe perfeitamente o que eu preciso de fazer e compreende-me enquanto mulher e enquanto mãe, mas também enquanto artista. Entendemo-nos um ao outro com muita facilidade. Isso, penso, é o segredo de qualquer relação.

Elvis Costello compõe freneticamente e a Diana começou a compor depois de se terem casado. Houve alguma influência?
Sim. Ele ajudou-me no trabalho de composição. É um grande, grande compositor, coisa que eu não sou. No entanto, senti que devia caminhar por aí e estou muito satisfeita por tê-lo feito. Foi uma época diferente e muito bonita. Neste momento, porém, já penso em iniciar outros percursos.

Há mais coisas que tem em comum com o seu marido. Ambos produzem música a um ritmo muito intenso. Os discos sucedem-se. É uma espécie de imaginação ou criatividade artística que vos impele a fazer mais e mais música?
Sim, é verdade. É muito difícil para nós estarmos algum tempo sem gravar. Agora mesmo, no meio desta digressão internacional, estou a trabalhar num novo disco. Eu odeio estar parada, acho que sou uma rapariga muito irrequieta. Mas isso também me complica a vida, porque ainda por cima resolvi ser mãe igualmente durante uma digressão.

Viaja com os seus filhos durante toda a digressão?
Sim. Não digo que não seja difícil, mas é uma forma de ter tudo ao mesmo tempo. Isso agrada-me. Hoje passei algum tempo com eles, mas vou ter um espectáculo à noite. Só já tenho tempo para arrumar tudo e entrar no autocarro para chegar à sala de concertos. Amanhã deixamos França e vamos todos para Espanha.

Falou num novo trabalho que está a preparar. Quer falar dele?
Não gostava muito de o expor por enquanto.

O disco mostrará mais a intérprete ou a compositora?
A criadora de música jazz.

Olhando então para si como uma criadora de jazz, como é que descreveria a sua evolução artística?
Acho que o mais interessante neste caminho é o facto de ter podido sempre misturar os grandes clássicos com a contemporaneidade. Neste momento é o que acontece. Encanta-me cantar um tema clássico, mas estou deliciada com as baladas, tenho-lhes dedicado muito espaço ultimamente. E, ao mesmo tempo, aposto na bossa nova, porque acho que se ajusta bem a mim.

A sua paixão por compositores como Tom Jobim e Vinicius de Moraes é grande...
Sim. São também compositores de jazz, e gosto do "swing" que impõem aos seus temas. Além disso, todo o seu trabalho não é mais do que criação pura de música.

Desse ponto de vista, jazz ainda é a única palavra que descreve a sua música?
É. Para mim, jazz significa liberdade e movimento. É aquilo que permite a criação livre e espontânea, ou seja, a improvisação. Portanto, volto a dizer que sim, o jazz é a palavra certa para mim.

Não tem vontade de abrir novos trilhos musicais?
Tenho. Isso acompanha-me sempre. No entanto, agora sinto-me bem como estou, sendo quem sou. Sinto-me bem a cantar as minhas baladas, a bossa nova de que falava e as grandes canções de "swing" de Oscar Peterson, ou de Nat King Cole...

O que é interessante em si é a facilidade com que vai ao passado e volta ao presente, sempre a agarrar as canções que melhor se adaptam à sua voz e às suas características interpretativas...
Foi exactamente isso que sempre quis fazer. Agora, estou muito interessada em Julie London actriz e cantora americana dos anos 40 e 50. Ela é fantástica, e acho que poderei fazer um bom trabalho a partir dela. É uma mulher muito "sexy" e sensual. Sempre gostei disso.

A sensualidade, de resto, sempre fez parte da sua imagem...
Neste momento, sou uma mulher casada e mãe de dois filhos.

Isso anula a sua sensualidade?
Não. De facto, a sensualidade não é algo que desapareça assim de repente. Sinto-me bem como estou, apesar de o meu corpo estar um pouco diferente depois de ter tido os gémeos. Mas isso acontece com todas as mulheres.

Está a sentir-se mais velha?
Não. Estou a tentar pensar como uma mulher da minha idade, seja lá o que isso queira dizer. Já não penso como uma simples rapariguinha.

Uma mulher não deixa de ser sensual aos 43 anos, sobretudo, como é o seu caso, quando essa sensualidade está associada à voz, à forma de cantar, de se apresentar em palco e de se mostrar ao público no "booklet" de cada novo CD... Isso faz parte do passado?
Não, de todo. Estive algum tempo mais dedicada à minha condição de mãe. Penso que é isso. Mas recentemente voltei a preocupar-me com essa imagem. Voltei a ser fotografada e gostei do resultado. Acho que estou bem, quero estar bem. E, de facto, não penso que a idade possa tirar-nos a sensualidade. Além disso, nunca entendi as pessoas que me criticaram por eu ser uma mulher sensual.

A música de jazz também tem o seu quê de sensual...
O jazz sempre foi uma música sensual. O seu habitat natural foi sempre a noite, os espaços de fumo, sempre esteve associado ao álcool e nunca deixou de ser uma forma artística intensamente intelectual. Isso tem de ser respeitado. Ao mesmo tempo, nasceu e cresceu como uma forma de arte muito sensual e continua a sê-lo. Eu também sou assim. Adoro cantar canções de amor trágicas, mesmo quando estou feliz.

Portugal conhece-a bem...
Eu sei disso. O meu público aí é maravilhoso, tenho uma grande admiração por ele e reconheço que me apreciam muito.

Vai dar dois concertos cá. Na terça-feira actua na marina de Albufeira e na quarta no Cool Jazz Fest, em Oeiras. O que é que faz com que um espectáculo seja diferente do outro?
O entusiasmo do público e a música. Não faço ideia o que vou cantar, mas tenho a certeza que será o meu melhor. A improvisação é sempre uma arma preciosa, não deixo nunca de a usar.

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