sábado, 25 de abril de 2009

Opinando - Viale Moutinho

Escreve José Viale Moutinho no DN/Madeira de hoje:

Ao longo da História, sobretudo no Renascimento, mas também em épocas posteriores, assinalamos a presença activa do mecenato. Na antiguidade clássica, vemos alguns filósofos, poetas e artistas gregos escravos em Roma muito bem tratados. Entidades particulares, geralmente homens de fortuna, que tomam a seu cargo o sustento de um artista, durante um período mais ou menos prolongado, beneficiando ambos com o negócio: o artista, porque resolve os seus problemas de subsistência; o mecenas, porque aufere a baixo preço das obras feitas sob a sua protecção e, sendo estas texto literário, apenas do prestígio que lhe confere a associação dos nomes. Muitos destes escritores dedicavam as obras feitas nestas condições aos seus protectores com notas de doentia glorificação.

Por exemplo, quem conheceria hoje a família Thurn und Táxis se ela não tivesse abrigado Rilke?

Isto é falar de verbas particulares, que o magnata dispõe conforme lhe dá na gana. Outra coisa são os dinheiros públicos direccionados para a Cultura e administrados pelo Governo. Dinheiros públicos não podem ser tratados doutro modo, nem o Tribunal de Contas o consente. A administração destes é algo variável, um tanto macaca, mas há regras.

Museus, monumentos, centros históricos, investigação nos vários ramos, por exemplo, necessitam forçosamente de verbas para a sua conservação e o seu desenvolvimento. Incluindo pessoal suficiente para os trabalhos e vigilância.

Já as chamadas bolsas de criação artística ou literária devem depender de uma reformulação das regras, aliás em consonância com a prioridade noutras áreas.

Vejamos o que se passa com os direitos de autor e o ensino. Legalmente, nenhum escritor pode negar que um texto seu seja graciosamente inserido num livro de texto escolar. Seria interessante a medida se isso fosse reduzir o preço do livro ao aluno. Porém, o que acontece é que o texto é utilizado e violentado. Quero dizer, as mais das vezes: "adaptado", seja estropiado em função do original, por conveniência do autor da antologia destinada a Português. Seja: o autor está representado com um texto pelo qual não é senão minimamente responsável. E o preço do livro mantém-se... mas em beneficio do antólogo e estropiador-adaptador, movido de boas intenções pedagógicas, mas decerto incapaz de produzir o que precisa. Auferindo os direitos de autor dos seus textos nestas obras escolares, o escritor bem poderia estar melhor instalado na vida e sem necessidade de bolsas!

Recordo-me que, aqui há uns anos, havendo bolsas literárias, o regulamento indicava que o escritor trabalhador por conta de outrem, para beneficiar, teria de desvincular-se temporariamente do seu contrato de trabalho e fazer prova disso. Ora, tal arrumava logo uma data de escritores que tinham emprego, mas não tempo nem patrão que estivesse para os dispensar durante uma ano e tal (ainda que sem vencimento), enquanto ele ia escrever um livro de versos ou um romanceco! Nunca me pareceu conveniente um escritor, criador literário, beneficiar de rendimentos que possam comprometer a sua independência de criador literário. As boas condições de trabalho para a escrita de criação... Olhe, estou a lembrar-me de uma coisa que contava o Vargas-Llosa. Creio que em Londres, no velho apartamento em que vivia, ele escrevia não sei que romance enquanto a mulher afastava os ratos à vassourada! Não advogo este cenário, mas também não acho que possa sair grande coisa de uma torre de marfim no paraíso terreal! Daí que se o Poder aperta os cordões à bolsa no que respeita à Cultura, importa ver em que pontos o faz. Analisar bem a questão e protestar documentadamente. Se o mecenato faz outro tanto, isso já é um direito que lhe assiste porque sempre assim foi. Leonardo sempre forjou maravilhas para os seus mecenas, maravilhas que se tornaram recorrentes máquinas passados centos de anos...

Depois, sempre ma parece que os escritores devem ser contra-poder, não importa quem seja poder. Devem ser consciência crítica e provocatória. Devem, por mais exemplos, lembrar-se de Vieira e de Bocage, de Gorki e de Soeiro Pereira Gomes (estamos no centenário), de José Gomes Ferreira, de Kafka e de Brecht. Mas há milhares mais, felizmente.

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