domingo, 4 de outubro de 2009

Musicando - Rui Massena

Escreve Luís Rocha no Dn/Madeira de hoje. Aproveito para manifestar a minha solidariedade e concordância com Rui Massena.


O maestro titular da Orquestra Clássica da Madeira (OCM), Rui Massena, está indignado com o Casino da Madeira, responsável pela gestão do Centro de Congressos onde a OCM costuma apresentar os seus concertos. E deu conta dessa mesma indignação numa carta que escreveu ao secretário regional da Educação e Cultura, Francisco Fernandes, a qual, porém, através do DIÁRIO, faz questão de tornar pública.

A missiva dá conta de que, no dia 1 de Outubro, Dia Mundial da Música, o maestro chegou ao Centro de Congressos e deparou com uma faixa publicitária da comédia 'I Love My Penis' (protagonizada por dois actores, Almeno Gonçalves, que interpreta o papel de 'André' na telenovela 'Flor do Mar', e António Melo, conhecido da série 'Os Malucos do Riso'). "Qual o meu espanto", escreve Rui Massena, quando chego às 21 horas para um concerto a que ia assistir, tal como cerca de 400 pessoas [o concerto foi dirigido pelo maestro convidado Miguel Graça Moura] e vejo colocada, sobre a lona de publicidade com que a Orquestra divulga as suas actividades do trimestre, uma lona praticamente do mesmo tamanho da nossa, com a divulgação de um teatro para 17 de Outubro, com o sugestivo título de ' I Love My Penis'".

Indignação e vergonha

Confessando-se a Francisco Fernandes "indignado e envergonhado", Rui Massena fez questão de fotografar a situação, para melhor a expor ao secretário regional da Educação e Cultura.

"Enquanto cidadão, chocou-me ler em letras garrafais 'I Love My Penis' à entrada do concerto", diz Rui Massena na carta. E até ironiza: "Lembrou-me o Lincoln Center em Nova Iorque, onde, ao lado [do anúncio] da Philarmonic Orchestra, tinha em cena a ópera 'Madame Butterfly', de Puccini, e o bailado de Tchaikovsky 'O Lago dos Cisnes'.

Confessa que não irá, certamente, ver a peça em questão: "Acho pobre e diminuta a consideração pelo povo. Elevação precisa-se", reclama. Por outro lado, enquanto director artístico da OCM, "uma instituição de carácter estruturante (e não pontual) para a Região Autónoma da Madeira, pergunto-me como é possível tolerar um acto de claro vandalismo (portanto não autorizado por nós), que corresponde à colocação de uma lona publicitária, claramente para tapar a da Orquestra que lá estava, num espaço que é suposto estar sob o nosso usufruto, de acordo com o protocolo que o Grupo que tutela o Casino da Madeira estabeleceu com o Governo Regional, num dos pressupostos de troca pela concessão do jogo ao Grupo". Sem julgar os critérios programáticos do Casino, Rui Massena lamenta que "as 400 pessoas que foram participar no Dia Mundial da Música" não tenham podido saber "que até 17 de Outubro temos ainda quatro concertos agendados".

"O acto de tapar um painel de publicidade sem autorização é do mais desrespeitoso que existe, para a Fundação Madeira Classic, que tanto investe esforço e dedicação à causa artística, para o Governo Regional, que suporta o investimento num projecto estruturante para a Região elogiado pela comunidade civil e artística (...), e para o público da Orquestra, que [no dia 1 de Outubro] sendo talvez em 20 por cento adolescente e infantil, teve de se confrontar a si próprio e aos pais, na ida a um acto artístico maravilhoso de grande elevação intelectual e moral, com uma proposta para um acto de entretenimento explícito".

Afirmando ter abertura, enquanto profissional, para várias artes, "realizadas sempre com qualidade", Massena reclama que a sua posição "não é elitismo. É ética. Depois de tantos anos a investir na formação e educação artística da população, precisamos de um espaço nobre para receber as artes de palco. Um espaço de reunião, com elevação, criterioso e adequado. Com um Gabinete de Educação Artística que faz um trabalho ímpar na sensibilização da população através das artes, com um Conservatório que forma alunos anualmente e que se tornam no panorama artístico nacional e internacional referências de qualidade, estará porventura na altura de deixarmos de uma vez de estar dependentes de um centro de congressos e de um teatro que não funcionam".

Rui Massena termina, dizendo a Francisco Fernandes: "A título de lealdade quero dizer-lhe que enviarei esta carta para a Comunicação Social, após lhe ter sido entregue na Secretaria". Quem não gostou nada de ouvir isto foi Carlota Cavaco, directora-geral do Casino, que nos disse considerar "descabidas e provocatórias" as declarações do maestro, e altamente impróprio torná-las públicas "sem falar com as pessoas". Diz que se tivesse sido pedido que o Casino tirasse a faixa, "como é natural, nós teríamos tirado". Aliás, até admite que a publicidade foi retirada para um congresso este fim-de-semana, vindo do Brasil, "porque achámos menos próprio".

Questionada sobre se não lhe tinha ocorrido que a publicidade de 'I Love My Penis' seria menos própria para exibir aquando do concerto do Dia Mundial da Música, Carlota Cavaco responde de forma incisiva: "O Centro de Congressos da Madeira deveria estar a ser usado pela Orquestra só para concertos, e está a ser usado abusivamente". A nossa interlocutora diz que a OCM aproveita para realizar ensaios no Centro de Congressos, inclusive frequentemente convidando crianças - visitas essas que não informa devidamente à direcção do Casino. Assegura que o Casino tem tentado manter uma boa relação, mas a OCM "não pede autorização para absolutamente nada". Levar estas questões à praça pública, diz, "é o reflexo da relação que tem sido mantida connosco".

Luís Rocha

1 comentário:

Scherzan disse...

Muito interessante esta indignação.
Creio que outras indignações haveriam se se tornasse público algumas questões relativas à orquestra e ao conservatório. Claro que ninguém o faz porque cada nome assinado seria mais um para o desemprego no ramo artístico.
Tenho a ligeira impressão de que a resposta seria dentro da mesma natureza que a da direcção do Casino, "altamente impróprio torná-las públicas "sem falar com as pessoas".
Coitado do triste que se aventurasse.