
Produções baratas, recursos técnicos básicos, actores muitas vezes incipientes, desenrascanço geral e aposta maciça no mercado de DVD são os ingredientes que fizeram da indústria cinematográfica nigeriana uma gigante a nível mundial. Tão grande que a chamada Nollywood já ultrapassou a original norte-americana de Hollywood e só é batida em volume de negócios pela declinação indiana Bollywood. Mas esta indústria tão especial, que praticamente não coloca filmes nas salas, está agora a ser vítima da sua estratégia - a pirataria ameaça arruinar os produtores.
Estima-se que metade dos lucros da indústria esteja a ser canalizada para os bolsos dos que se dedicam à pirataria audiovisual. Em declarações à CNN.com, Emmanuel Isikaku, produtor e presidente da Film & Vídeo Producers and Marketers Association of Nigéria, garante que a "pirataria desferiu um grande golpe na indústria" e dá como exemplo a sua mais recente fita, Plane Crash, um êxito junto do público mas que não gerou receitas capazes de pagar os custos de produção: "Muita gente viu o filme, mas infelizmente fizeram-no em cópias piratas".
Que nenhum de nós conheça o filme é bastante natural. A efervescente indústria cinematográfica da Nigéria, centrada na capital comercial, Lagos, trabalha para o mercado interno (leia-se nacional e dos países vizinhos da África Ocidental). A inexistência de salas de cinema no país nunca travou o dinamismo dos produtores locais, que descobriram a receita para o sucesso: apostam em produções baratas e na imediata comercialização dos filmes em DVD, alimentando o mercado doméstico e as exibições em locais comunitários.
Cópias feitas na China
Fazer um filme custa, em média, à volta de 18.000 euros (fazem-se perto de dois mil por ano, segundo algumas estimativas) e cada cópia é vendida a 5,50 ou 6,50 euros. O que significa que os 20.000 ou 30.000 DVD que normalmente são comercializados garantem ao produtor o retorno do seu investimento. Um êxito de vendas pode chegar a decuplicar estes números. Mas, lá está, ao apostar neste sistema directo e de consumo intensivo, a indústria do cinema da Nigéria pôs-se a jeito para ser alvo dos piratas.
A economia informal da Nigéria é fortíssima e a generalização das tecnologias de compressão em vídeo permite hoje aos contrafactores porem à venda por menos de três euros discos contendo até duas dezenas de filmes (e não só de Nollywood, porque os êxitos de Hollywood também estão no cardápio). O esquema está tão bem montado que os piratas conseguem reagir em tempo útil às preferências do público: assim que uma fita começa a ter sucesso, é imediatamente enviada para a China, onde é copiada milhares de vezes e os discos reenviados para África.
O fenómeno intensificou-se de tal forma que pode vir a ser responsável pela morte da sua razão de existir. "Os novos desenvolvimentos da pirataria têm potencial para vir a obliterar por completo a indústria", analisa, ouvido pela CNN, Sylvester Ogbechie, presidente da Fundação Nollywood, com sede em Los Angeles, EUA. A ironia de tudo isto é que esta ameaça de morte surge numa altura em que o mundo começa a olhar com alguma atenção para o cinema nigeriano.
Exemplo de sucesso
Fortemente enraizadas na tradição oral africana, as produções de Nollywood não têm efeitos especiais nem cenários elaborados, vivem de um permanente espírito de desenrascanço das equipas técnicas (há sempre alguém que falta devido ao trânsito caótico de Lagos, os cortes de corrente eléctrica são rotineiros, as filmagens na rua podem ser interrompidas por gangs exigindo dinheiro ou espontâneos mais curiosos), os actores nem sempre decoraram as suas falas e os realizadores estão fortemente pressionados para despacharem a coisa em três ou quatro dias de filmagens.
Mas, apesar de tudo isto (ou talvez por isso mesmo...), estes filmes chegam directamente ao coração das populações africanas, abordando, simultaneamente, temas recorrentes da cultura popular, como a magia e a religião, e questões tão modernas como os desafios da vida urbana, a sida ou os direitos das mulheres. Argumentos mais do que suficientes para construir uma história de sucesso, traduzida na criação de uma indústria intensiva geradora de milhares de empregos, com um volume de negócios anual superior a 200 milhões de euros, e na instituição de um star system que vai muito para além das fronteiras do país e, até, do continente.
Mas, sem um circuito de exibição em salas, onde a pirataria não chega, Nollywood está particularmente vulnerável à proliferação de cópias piratas. Visto por muitos como um excelente exemplo de como a opção por sistemas simplificados de investimento pode ser a solução para gerar empregos e garantir êxito nos mercados do terceiro mundo, o cinema made in Nigeria parece estar a ser vítima da sua receita de sucesso, às mãos de um mercado paralelo que, por sua vez, ameaça matar a sua galinha dos ovos de ouro. Relação complicada, esta. Digna de um filme.
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