Rejeitado por todos no início, na década de 1990, o Kuduro, música e dança de criação angolana, está hoje «totalmente integrado» na sociedade e em expansão pelo mundo.
Em vésperas do anúncio do vencedor do Prémio MTV Melhor Artista Europeu, na quinta-feira, para o qual os Buraka Som Sistema são candidatos por Portugal, o Kuduro é considerado por especialistas musicais um estilo «profundamente angolano», que se caracteriza pela sua dimensão essencialmente rítmica, cujas letras não têm «princípio, meio e fim».
Em declarações à Agência Lusa o crítico musical angolano, Jomo Fortunato, lembra que o Kuduro, quando surgiu, aproveitou a «permeabilidade» dos jovens, numa altura em que «a guerra em Angola levou ao encerramento das principais gravadoras do país», para se impôr.
«A deficiente produção de música angolana e o excessivo consumo de música estrangeira, aliados ao débil sistema de ensino, facilitaram o surgimento do Kuduro», adianta Fortunato. O Kuduro, música com letras «ousadas e desestruturadas», aproveitou a «forma intercortada do rap (frases curtas)» para melhor assimilação entre os jovens, explica Jomo Fortunato.
Por sua vez, o sociólogo angolano, Simão Helena, considera como vantagem do Kuduro a sua dimensão de «crítica social» pelas suas letras que se revelam «de sátira», através da «forma espontânea» como as pessoas dizem «o que lhes vai na alma».
«Não são letras extremamente trabalhadas mas falam da realidade nua e crua, da situação vivida pelas pessoas», diz à Lusa Simão Helena. Para o sociólogo, o Kuduro transmite «inovação» e demonstra o espírito de «iniciativa e auto-criação» dos jovens, sobretudo dos bairros periféricos angolanos, que nesta altura são os maiores produtores deste estilo musical.
Sobre o futuro do Kuduro, Simão Helena acredita que veio para ficar, comparando-o aos Blues norte-americanos, que, «no princípio, eram utilizados por escravos africanos para exprimir as suas angústias e hoje são uma referência musical mundial».
Ernesto Gouveia, dirigente de produções discográficas, considera a realidade angolana de hoje propensa à produção discográfica na área do Kuduro, frisando que anualmente são lançados para o mercado angolano cerca de 10 discos. Explica ainda que a utilização de instrumentos electrónicos para a gravação de discos tornou mais fácil a vida dos mais novos kuduristas, os principais utilizadores deste meio. «Basta um computador e software adequados para os jovens fazerem as suas músicas. E isto fez baixar muito os custos, facilitando a expansão do estilo», sublinha. Adianta ainda que existe também uma importante produção de cariz industrial, utilizada por «músicos catalogados» que têm já contratos firmados com algumas produtoras.
O sucesso do Kuduro é de tal dimensão em Angola que o cineasta Jorge António foi à procura da origem do nome, da dança e da música, e, nessa busca, realizou o primeiro e único filme sobre este género musical - Kuduro, Fogo no Museke, que retrata os dias de hoje e a voz da nova geração angolana de kuduristas.
«Achei curioso o tema e queria saber qual a origem do kuduro», lembra à Lusa António. Foi por isso que realizou o filme que estreou em Angola, em Janeiro deste ano, e que tem sido um sucesso no país e no estrangeiro.
«Em Portugal passou na RTP e RTP-África cinco vezes no espaço de uma semana», salienta para explicar a expansão do Kuduro. O seu filme já foi visto em festivais de cinema na Bélgica, Alemanha, Inglaterra, Canada...
Lusa/Nuno Morna
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